O quê, onde, quando e como? Em busca de respostas com a vigilância genômica

Por Dr. Luiz Fernando Reis - colunista

09/03/2022 - 14:003 min de leitura

O quê, onde, quando e como? Em busca de respostas com a vigilância genômica

Fonte : Shutterstock

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Na atual pandemia de Covid-19, nos deparamos com um patógeno com alta capacidade de transmissão. O SARS-CoV-2, também conhecido como o novo coronavírus, nos estimulou a investir na tecnologia para combatê-lo. Os diferentes tipos de vacinas são um bom exemplo disso. Porém, outra tecnologia tem sido bastante utilizada e tem sido pouco reconhecida pelo público geral: o sequenciamento genético

O SARS-CoV-2 acumula cerca de duas a três mutações por mês e sua alta capacidade de mudar ao longo do tempo (evoluir) impõe grandes desafios. Decifrar as sequências genéticas das novas variantes virais que surgem naturalmente passou a ser uma tarefa de rotina em diversos países, que têm feito fortes investimentos em programas de vigilância genômica para monitorar as variantes em circulação.

Desde o início da pandemia, mais de 9 milhões de sequências genômicas do coronavírus foram disponibilizadas no banco de dados GISAID (gisaid.org). Mas de que maneira o sequenciamento e a vigilância genômica podem nos ajudar?

Por que a vigilância genômica é importante?

As sequências genéticas de patógenos como vírus e bactérias servem como “código de barras” que podem ser usados não só para determinar a espécie do agente causador da doença, como distinguir linhagens de variantes dentro de cada espécie. O sequenciamento genético pode nos responder essa pergunta básica: qual organismo causou o surto da doença? A pandemia de Covid-19, nos mostrou a importância da rápida detecção de um patógeno, em especial um com alta capacidade de transmissão, como o novo coronavírus, SARS-CoV-2.

À medida que este vírus se disseminou rapidamente, em escala global, e foi se diversificando, gerando variantes do vírus original de Wuhan, outra dúvida que o sequenciamento tem ajudado a resolver é onde o vírus e suas variantes estão circulando. Por meio do sequenciamento, podemos não só confirmar qual o subtipo do patógeno em circulação, como também podemos inferir suas origens geográficas, ou seja, por onde ele passou antes de chegar em nosso território, e por qual rota ele costuma se disseminar.

O material genético dos vírus sofre mudanças de forma muito rápida, e em taxas quase constantes. Essa constância, similar a um “relógio molecular”, nos permite usar os dados de sequenciamento genético para responder outra pergunta fundamental: quando um patógeno surgiu ou foi introduzido numa região? Muitos devem lembrar de outra pandemia que o Brasil enfrentou em 2015: Zika vírus, que teve seu primeiro caso reportado em maio daquele ano. Usando dados genéticos, foi possível estimar o período mais provável de introdução daquele vírus no Brasil, revelando que ele circulou por cerca de um ano até ser oficialmente reportado. A vigilância genômica cumpre um papel importante para o alerta precoce da presença de novos vírus em circulação.

Vigilância genômica

Por fim, outra informação relevante que a vigilância genômica nos traz é como variantes de patógenos podem impactar medidas farmacológicas de controle de epidemias, como medicamentos e vacinas. Embora muitas mutações não mudem o funcionamento molecular dos patógenos, uma minoria delas pode, sim, causar mudanças que impactam diretamente a eficácia de drogas e imunizantes. Dados de vigilância têm sido essenciais, por exemplo, para determinar quais cepas virais devem ser incluídas na formulação de vacinas contra a gripe. Olhando diretamente para a genética dos patógenos podemos definir melhor quais estratégias usaremos para combatê-los.

A vigilância genômica de patógenos cumpre papel importante para a tomada de decisões e implementação de políticas públicas com base em evidências científicas. Esta é uma atividade complexa, que envolve profissionais com formações diversas, como clínica (para identificar casos suspeitos e coletar amostras e dados associados), laboratorial (para processar as amostras e obter as sequências genéticas), e computacional (para analisar os dados em combinação com outros dados).

Logo, trata-se de uma estratégia que exige investimentos constantes, não só para custear a mão de obra interdisciplinar, como para dar aos profissionais as ferramentas necessárias para a execução do trabalho de forma rápida. Essa pandemia nos mostrou o quanto a rapidez da resposta é essencial para as intervenções de saúde pública.

A vigilância genômica no Brasil avançou entre 2020 e 2021 e somos hoje mais capazes de monitorar os patógenos em circulação. Os avanços que nosso País alcançou no campo da vigilância genômica representam um legado positivo que nos ajudará a responder a futuras epidemias.

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Esse texto foi produzido em parceria com Anderson Fernandes de Brito, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS).


Bioquímico pela UFJF, doutor em Imunologia pela Universidade de Nova York, com pós-doutorado em Biologia Molecular pela Universidade de Zurich. Em 2008, assumiu a Diretoria de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e, desde 2016, é Diretor de Ensino e Pesquisa do mesmo Hospital.


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Fontes