Assistimos ao filme "A Entrevista", que causou polêmica e ataque hacker

Por Nilton Cesar Monastier Kleina

10/01/2015 - 08:204 min de leitura

Assistimos ao filme "A Entrevista", que causou polêmica e ataque hacker

Fonte : Sony Pictures

Imagem de Assistimos ao filme "A Entrevista", que causou polêmica e ataque hacker no site TecMundo

Você sabe o que é o “Efeito Streisand”? Ele acontece quando alguém tenta censurar um conteúdo na internet e, em vez de conseguir, faz com que o assunto seja ainda mais popularizado. Ele foi batizado em 2003 quando a cantora Barbra Streisand brigou para que uma foto de sua residência fosse apagada, gerando um número absurdo de visualizações da imagem. No Brasil, isso já aconteceu com artistas como Xuxa e Daniela Cicarelli. O exemplo mais recente desse efeito ocorreu em nível mundial, tendo a Coreia do Norte e o filme “A Entrevista” como protagonistas.

A comédia estrelada por Seth Rogen e James Franco conta a história de dois jornalistas que recebem da CIA a missão de assassinar o “Grande Líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-un, enquanto visitam o recluso país. O desenrolar da história na vida real você provavelmente já sabe: o político não curtiu a sátira e, de acordo com o FBI, encomendou um ataque hacker massivo aos servidores da Sony Pictures, causando o vazamento de filmes, emails e roteiros do estúdio, além de muito prejuízo e a ordem para proibir o lançamento da película.

Mas, afinal, Kim Jong-un tem motivos para reclamar de “A Entrevista” e tentar sabotar uma empresa inteira para impedir que o filme veja a luz do dia? O TecMundo conferiu o polêmico longa-metragem, que estreou em alguns cinemas dos Estados Unidos e foi vendido online em serviços como YouTube e Google Play.

Alerta de spoiler

Antes de entrarmos em detalhes específicos da trama, vale uma pausa para deixar o alerta: esta crítica contém spoilers. Se você continuar lendo, pode saber de alguma informação que acabará estragando o aproveitamento do filme. Nós avisamos.

Uma viagem muito louca

A dupla Seth Rogen e James Franco é uma das mais surtadas de Hollywood. Eles já estrelaram juntos comédias como “É o Fim” e “Segurando as Pontas”, cheias de referências ao uso de drogas e viagens alucinógenas diversas. Em “A Entrevista”, não há essa apologia, mas o roteiro parece fruto de uma bad trip intensa.

Franco vive Dave Skylark, popular apresentador de um talk show especializado em humilhar os convidados e só promover temas inúteis. Rogen é o produtor Aaron Rapaport, que, dos bastidores, conduz a atração e faz com que ela seja um sucesso — tendo até o ditador Kim Jong-un (Randall Park) como um dos fãs. Convocados primeiro para entrevistar o político e depois para matá-lo, os dois se envolvem em muitas confusões para ao menos saírem vivos do país.

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Não dá para negar que o roteiro é criativo e muito maluco. Ele é recheado de piadas, claro, mas há espaço para uma verdadeira salada de subtramas, como o desenvolvimento dos personagens (especialmente a amizade da dupla) e, na metade final, muitos tiros, explosões e até dedos decepados. Essa loucura é surpreendente e joga a favor do filme: você espera cenas mais tranquilas e, de repente, dá de cara com uma perseguição envolvendo um tanque e um helicóptero militar. Sensacional!

Com relação à comédia em si, não adianta generalizar: você não vai explodir de tanto rir, mas também não vai passar as quase duas horas de projeção de cara amarrada. O problema é o mau gosto de certas tiradas e o exagero de piadas com o órgão genital masculino ou com a higiene pessoal do ditador.

Em alguns momentos, a primeira piada da cena é excelente, mas ela se alonga tanto que fica constrangedora. Você ainda vai passar por alguns déjà vu ao jurar que a mesma coisa já havia sido dita minutos antes no filme. Talvez o maior culpado aqui sejam os diretores. Rogen e Evan Goldberg (parceiro de longa data da dupla) sabem filmar, mas parece que o ego às vezes passa dos limites.

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Isso tira tempo de conteúdos que poderiam ser mais bem explorados. Temas como o conteúdo da televisão dos Estados Unidos e a necessidade de o país de interferir militarmente em outras nações são interessantes, mas passam voando como um míssil norte-coreano pela trama, que insiste em vários minutos de Franco cantando a agente Lacey (Lizzy Caplan) ou Rogen tentando se envolver com uma assessora norte-coreana durona (Diana Bang). As referências a Katy Perry também se repetem demais, mas o uso da canção “Firework” na trilha sonora e em um dos diálogos é uma bela sacada.

Explorando a “Melhor Coreia”

A ambientação da Coreia do Norte é engraçada: a cidade retratada aparece “maquiada”, com um mercado cheio de alimentos falsos, pessoas aparentemente felizes ou saudáveis e muitas homenagens ao ditador. Militares que trabalham para Jong-un são retratados com desconfiança em relação ao jovem líder, e a população, enganada pela imprensa local, acha que a vida no país está boa.

Essas críticas são todas bastante pertinentes, mas já são feitas há anos em documentários, reportagens e artigos sobre a Coreia do Norte. Ou seja, embora toque em pontos importantes, não há novidade no conteúdo, e tudo é tratado de forma rasa — apesar de ofensiva, claro.

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Quando o assunto é zoar outro país, o filme lembra muito “Borat”, com a diferença de que o Cazaquistão não ameaçou bombardear Sacha Baron Cohen depois da estreia, e “Team America – Detonando o Mundo”, que tira muito mais sarro de Kim Jong-il, pai do atual ditador.

Kim Jong-un, um sujeito bacana

Randall Park é talvez o ator que mais mereça destaque aqui. Ele conseguiu retratar um Kim Jong-un que não se parece em nada com o que vimos nas escassas imagens públicas do ditador — e, por isso mesmo, transforma o “Grande Líder” em alguém simpático e gente boa.

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A fragilidade e a insegurança do político, assim como os momentos de raiva, rendem situações cômicas. Para gerar um drama, ele desenvolve uma amizade com Dave após uma noite de festa e tenta “converter” o jornalista. Franco também brilha na interpretação e faz um apresentador frenético, mas de bom coração.

Muito barulho, muito dinheiro

Só nas vendas online, a Sony Pictures já lucrou mais de US$ 31 milhões (cerca de R$ 83 milhões) com o longa-metragem. O filme ainda vai estrear em cinemas de todo o mundo e ganhar lançamento em mídias físicas, mas dificilmente vai pagar todos os gastos (quase US$ 80 milhões, aproximadamente R$ 214 milhões) – mesmo assim, a arrecadação não deixa de ser comemorada pelo estúdio.

No fim das contas, a maior piada de “A Entrevista” é que se a Coreia do Norte não interferisse, o filme provavelmente passaria quase despercebido pelos cinemas, com críticas majoritariamente negativas e uma bilheteria no máximo razoável — mas toda a polêmica envolvendo a Sony Pictures o fez bombar e ganhar muito mais publicidade do que merecia. Vale lembrar, entretanto, que a invasão hacker causou prejuízos e constrangimentos à empresa.

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Quer matar a curiosidade de saber o fim de Kim Jong-un sem ter que ver o resultado completo, que é nada mais que razoável? O filme, agora vendido exageradamente como “o mais controverso de todos os tempos”, já teve a cena final divulgada na internet. Clique aqui para assistir.

 “A Entrevista” estreia nos cinemas brasileiros em 29 de janeiro de 2015.


Por Nilton Cesar Monastier Kleina

Especialista em Analista

Jornalista especializado em tecnologia, doutor em Comunicação (UFPR), pesquisador, roteirista e apresentador.


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Fontes