CazéTV e Ligue 1: é possível barrar totalmente o uso de VPNs no streaming?

Por Nilton Cesar Monastier Kleina

28/08/2024 - 17:303 min de leitura

CazéTV e Ligue 1: é possível barrar totalmente o uso de VPNs no streaming?

Fonte : GettyImages

Quem assiste aos jogos do Campeonato Francês (Ligue 1) no Brasil pode ter se surpreendido com a ausência de jogos do torneio na CazéTV. Esse não foi um erro técnico: o canal optou por suspender a transmissão após uma notificação da entidade organizadora do campeonato.

A plataforma transmite gratuitamente algumas das partidas no YouTube, mas acessos considerados irregulares pelo detentor original dos direitos de transmissão podem prejudicar o projeto.

Esse caso traz uma discussão interessante: afinal, é possível identificar e proibir conexões originadas de VPN ou esse é mesmo um método infalível para burlar o bloqueio geográfico?

O que aconteceu com o Campeonato Francês na CazéTV?

Produzido pela LiveMode e idealizado pelo streamer Casimiro Miguel, o canal CazéTV é detentor de direitos de transmissão da Ligue 1 no Brasil a partir desta temporada.

Porém, durante o jogo Paris Saint-Germain contra Le Havre, válido pela primeira rodada do campeonato, foram identificados acessos de dispositivos não conectados no Brasil, mas com IP apontando para o país.

Usuários franceses — que só poderiam ver a partida por plataformas consideradas caras no país — estavam usando serviços de rede virtual privada (VPN) para acessar os jogos da CazéTV sem custos adicionais.

No último sábado (24), a plataforma brasileira notificou os usuários que suspendeu a transmissão do Campeonato Francês até que o caso seja resolvido. O motivo, segundo o site L1 Insider, outra emissora notificou a Ligue 1 sobre a irregularidade. 

De acordo com a página, o contrato da CazéTV "não permite" que pessoas de outros países vejam o jogo, mas bloquear o acesso a eles não é tão fácil quanto parece.

É possível bloquear uma VPN?

Tecnicamente, existem algumas formas de encontrar acessos feitos por VPN, distinguir eles das conexões diretas e restringir conexões que são mascaradas por esses serviços.

Em um primeiro método, a entidade que faz o bloqueio pode reunir uma lista de endereços de IP normalmente usados por uma VPN específica e cortar o acesso deles à rede.

A VPN usa um servidor de outras partes do mundo como intermediário.
A VPN usa um servidor de outras partes do mundo como intermediário. (Imagem: Getty Images)

Uma segunda possibilidade envolve a configuração de um firewall por uma operadora ou empresa responsável por uma plataforma. Ele deve bloquear conexões feitas pelas portas VPN que são normalmente abertas em um roteador para habilitar o serviço.

Por fim, em uma terceira forma de bloqueio, é possível aplicar a técnica do deep packet inspection (inspeção profunda de pacotes, ou DPI). Ela vasculha seus dados de navegação de forma minuciosa, em busca de evidências e padrões que sejam típicas do uso de uma VPN.

Governos e empresas empregam essas técnicas por vários motivos, desde censura ou acusações de riscos à população, como no caso da China, até como forma de manter a produtividade em companhias ou instituições de ensino.

O terceiro método é mais eficaz, mas é também mais complexo de ser implementado. Ainda assim, tanto ele quanto qualquer outra prática de bloqueio de VPNs não tem 100% de eficácia, o que significa que não é possível burlar absolutamente todos os acessos de fora.

Nenhum método de detecção de VPN é totalmente eficiente.
Nenhum método de detecção de VPN é totalmente eficiente. (Imagem: Getty Images)

Além disso, essas formas de bloqueio tendem a ser mais eficientes em VPNs gratuitas e limitadas do que serviços mais completos. Essas plataformas, normalmente pagas por assinatura, tendem a "disfarçar" melhor a navegação e reduzir as chances de detecção por mecanismos de bloqueio.

VPNs e streaming: é ilegal usar?

Legalmente, não é proibido usar uma VPN durante a navegação. Esse tipo de serviço é primeiramente voltado para a privacidade do usuário e conta com vários mecanismos de segurança, em especial para navegação em conexões potencialmente inseguras, como o Wi-Fi de locais públicos.

Porém, os usuários estão sujeitos a possíveis punições caso o acesso a conteúdos ilegais ou proibidos seja detectado, dependendo da legislação da região. Além disso, descobertas de brechas ou acesso irregular como no caso dos jogos da Ligue 1 por franceses pode gerar atritos no contrato de exibição no Brasil e dificultar possíveis negociações futuras por uma renovação.

Jogo do PSG pelo Campeonato Francês.
Jogo do PSG pelo Campeonato Francês. (Imagem: Getty Images)

A questão se complica na medida em que o próprio marketing desses serviços incentiva essa prática: diversas VPNs até se vendem como uma forma de acessar conteúdos bloqueados regionalmente, incluindo em plataformas de streaming.

Atualmente, o YouTube tem a possibilidade de trava regional, algo já observado em trailers e clipes musicais, por exemplo. Em nota enviada ao TecMundo, a plataforma afirmou que "está ciente e trabalha junto com a Cazé TV no caso".

Fora o bloqueio regional, o serviço pode restringir o acesso a vídeos por meio da publicação não listada (acessada só a quem tem o link) ou pela exclusividade para membros de um canal.

A CazéTV, porém, oferece a Ligue 1 e outros torneios de forma gratuita e aberta — por enquanto contando apenas com o bloqueio geográfico e agora com riscos de perder um dos seus conteúdos por algo que foge do seu controle.


Por Nilton Cesar Monastier Kleina

Especialista em Analista

Jornalista especializado em tecnologia, doutor em Comunicação (UFPR), pesquisador, roteirista e apresentador.


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