A indústria da ganância: remédio de US$ 13 agora vai custar US$ 750

Por Felipe Payão

23/09/2015 - 11:543 min de leitura

A indústria da ganância: remédio de US$ 13 agora vai custar US$ 750

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Antes de você saber o tamanho da briga que está rolando nos EUA, é necessário entender o que está tirando a noite e, possivelmente, diminuindo a expectativa de vida de muitos norte-americanos que sofrem de doenças infecciosas.

O Daraprim é um remédio utilizado na prevenção de infecções oportunistas da Aids — ou seja, ele combate o HIV. Como exemplo, a droga evita a toxoplasmose e a isosporíase. Além disso, ela também é usada no tratamento de malária. Ou seja, milhões de pessoas em várias faixas etárias e monetárias compram o remédio de apenas US$ 13,5 (R$ 55). No Brasil, você consegue encontrar por volta de R$ 10 — ao que tudo indica, o preço não vai subir por aqui.

Martin Shkreli tem alguns apelidos interessantes que ganhou ao longo de anos no mercado: sanguessuga e Hitler dos remédios

Como dizia um famoso personagem que vocês devem conhecer bastante, "com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades". Ao que parece, isso não chegou a diminuir a ganância do CEO de uma empresa chamada Turing Pharmaceuticals. Martin Shkreli, um ex-operador de ações de alto risco de apenas 32 anos, comprou os direitos de exploração do Daraprim e aumentou — da noite para o dia — o valor do remédio em 5.455%. Exatamente: agora ele custa US$ 750 (R$ 3 mil).

A justificativa é simples na cabeça de Martin: o lucro. "Precisamos ter lucro com essa droga. Antes de nós, as empresas estavam praticamente entregando gratuitamente", disse o CEO em entrevista ao Bloomberg.

undefinedMartin Shkreli, CEO da Turing Pharmaceuticals

A revolta

Não podia ser diferente: os infectologistas norte-americanos estão organizando um protesto contra o aumento brusco, e até abusivo, do Daraprim. A Infectious Diseases Society of America e a HIV Medicine Association já enviaram uma carta aberta ao CEO comentando que o aumento é "injustificável para a população de pacientes vulneráveis que precisam do medicamento".

Os reflexos da ação ainda estão se desenrolando. A pré-candidata à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, Hillary Clinton, redigiu um tweet comentando que esse tipo de abuso é inadmissível e prometeu apresentar um plano para combater a prática. Com apenas um tweet, Clinton conseguiu derrubar o preço de empresas farmacêuticas e de biotecnologia no mercado e ainda fez o índice Nasdaq cair por um tempo.

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Se você acha que é caro produzir o tal remédio, saiba que ele custa apenas US$ 1 para a fabricante.

O Hitler dos remédios

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De acordo com relatos do New York Times, Martin Shkreli tem alguns apelidos interessantes que ganhou ao longo de anos no mercado. Entre eles, "bloodsucker' (ou sanguessuga) e "pharma-Hitler" (algo como "Hitler dos remédios").

Quando perguntado sobre a razão do aumento, inicialmente, Martin disse que a razão principal era o lucro da empresa, a Turing Pharmaceuticals. Por ser muito barata, a droga não ajudava a companhia a fechar o mês no azul. Ainda, ele comentou que a prática é comum na indústria: "Hoje em dia, medicamentos modernos, como drogas para câncer, podem custar US$ 100 mil ou mais. O Daraprim ainda está mais barato em relação a esses medicamentos". Talvez, Martin tenha esquecido que "barato" é uma palavra relativa.

"Isso ainda é uma barganha para as seguradoras. Neste preço, não é nem para pensar". Esta é outra frase do CEO sobre o aumento, deixando claras as intenções da Turing Pharmaceuticals.

Quando o New York Times confrontou Shkreli durante a entrevista, o jovem respondeu dizendo que "isso aqui não é uma companhia gananciosa tentando lesar pacientes. É a gente tentando continuar no azul". Além disso, ele indicou que os pacientes usam o remédio por poucas semanas, então o aumento não seria uma grande coisa.

Martin e... League of Legends?

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Sim: Martin Shkreli é líder de uma equipe de League of Legends. No começo do ano, o CEO havia criado o time competitivo Odyssey. Pouco tempo depois, ele se uniu ao Team Imagine. Os jogadores tiveram sucesso e alcançaram as semifinais do NACS Summer Playoffs neste ano.

Por causa disso, muitos gamers perguntaram se a Riot, desenvolvedora do LoL, poderia entrar em ação e investigar se Shkreli poderia continuar sendo líder de uma equipe no jogo. Isso porque a Riot sempre deixou claro que os donos de times precisam ter um comportamento ético exemplar para participar de torneios. Por exemplo, eles possuem o seguinte trecho nas regras de campeonatos:

"Torpeza moral: um líder de equipe não pode fazer parte de qualquer atividade que é considerada pela LCS como imoral, vergonhosa ou contrária aos padrões convencionais de um comportamento propriamente ético".

Ainda não há comentários sobre o caso feitos pela Riot. O autor especializado em LoL, "rSquared", que escreve para a Goldper10, comentou que "Martin não é o padrão que queremos em líderes", além de escrever um artigo completo comentando a opinião da comunidade.

Recuo

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Martin Shkreli, no alto do cargo de CEO, não havia indicado que mudaria a postura. Contudo, ele já está começando a sentir os efeitos dessa briga. Pelo Twitter, diversos jornalistas questionaram as ações para pegar algumas palavrinhas de Martin. John Carroll, editor do FierceBiotech, simplesmente perguntou a razão do aumento em mais de 5.000%. A resposta do jovem CEO veio de maneira agressiva: "Você é tão idiota".

Com a pressão, Shkreli deu uma declaração ontem (dia 22) de que vai reduzir o preço do remédio, mesmo sem informar quanto e sem garantir que vai voltar aos US$ 13. "Nós concordamos em diminuir o preço do Daraprim até um patamar mais acessível e ao mesmo tempo capaz de permitir o lucro na companhia, mesmo que seja bem pequeno", disse ao canal ABC News.

O que você acha de empresas que aumentam o preço de remédios de maneira agressiva? Comente no Fórum do TecMundo


Felipe Payão é jornalista. Cobre a editoria de cibersegurança com foco em cibercrime há oito anos e possui dois prêmios especializados: ESET América Latina e Comunique-se 2021.


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