O silêncio vale ouro

Por Raquel Pinzon

15/10/2014 - 13:565 min de leitura

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Imagem de O silêncio vale ouro no site Baixaki Jogos

Antes das cenas de ação com fuzileiros espaciais, da colônia carcerária decadente e de uma ressurreição indigesta, a série “Alien” era um perfeito exemplo cinematográfico de uma boa história de terror espacial.

Há décadas, jogos licenciados da franquia são lançados no mercado, falhando miseravelmente em captar o espírito que nasceu com a saga. Bom, é aí que entra a ideia diferencial da desenvolvedora britânica The Creative Assembly: por que não voltar às raízes do primeiro filme e fazer em um game aquilo que deu tão certo em 1979?

Por isso, abandone tudo que você sabe sobre conflitos entre xenomorfos e outras raças alienígenas de penteado afro ou mesmo o conforto de exterminar os cabeçudos usando armas gigantes: nós estamos aqui para falar de Alien: Isolation, uma angustiante experiência de survival horror.

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O legado Ripley

Na trama, Amanda Ripley, filha da protagonista Ellen Ripley, há anos tenta descobrir o paradeiro de sua mãe — que está em sono criogênico no espaço e passará mais algumas décadas assim. Ao aproveitar uma oportunidade que poderia dar um final feliz à sua busca, ela acaba se envolvendo em um acidente que a prende na gigantesca estação espacial Sevastopol.

Depois disso, é questão de tempo até que ela descubra que o lugar caótico e semiabandonado está sendo aterrorizado por uma criatura assassina.

Alien: Isolation não é um game restrito apenas aos fãs que conhecem os filmes, mas são eles que, sem dúvida, mais aproveitarão a experiência. Nunca um jogo da franquia foi tão competente ao criar uma atmosfera que remetesse aos filmes e trouxesse tantos elementos familiares.

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Fan service visual

Os androides bons e maus, os aliados traidores, a IA que compromete a segurança dos humanos, o Space Jockey... Está tudo lá. Sem mencionar o design deslumbrante de cenários, que reproduz com perfeição os mesmos conceitos visuais da nave Nostromo de “Alien: o Oitavo Passageiro” — muita tecnologia analógica e cheia de botões brilhantes que reflete o típico “futuro” imaginado em ficções científicas dos anos 70.

Isolation é rico em detalhes. É impressionante a quantidade de objetos presentes nos cenários e o cuidado que a desenvolvedora teve com a iluminação. Luzes baixas, luzes falhando, cabos em curto circuito, fogo.... E névoa. A saudosa névoa que funciona como charme tão característico dessa mitologia e que aparece tanto como vapor nas naves, quanto nos ninhos dos xenomorfos.

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Mas se artisticamente o visual é praticamente impecável, em aspectos técnicos ele não sai tão ileso assim. Há frequentes problemas com colisão de elementos na tela, queda de quadros durante as cutscenes e NPCs com animações tão inexpressivas que parecem bonecos de ventríloquo. Não é nada que arruíne a beleza do game, mas é estranho que um projeto tão polido em conceitos tenha uma execução gráfica tão carente de lapidação.

Alien, no singular

Alien: Isolation — pelo menos em boa parte da campanha — é uma constante perseguição de gato e rato. E, exceto por desenhos animados, o que ratos fazem quando estão sendo caçados por seu predador? Exatamente, se escondem.

É preciso entender que Isolation é diferente em tudo em relação a Colonial Marines. Isolation é inspirado em “Alien, o Oitavo Passageiro”, de Ridley Scott, um terror espacial. Colonial Marines é derivado de “Aliens, O Resgate”, de James Cameron, um filme de ação.

Aqui, você não mata o alien. Exceto pelo lança-chamas, que pode afastar o monstro por alguns segundos, armas são inúteis contra ele. O núcleo deste jogo é a sobrevivência do mais fraco, por isso o silêncio e sua capacidade de ser furtivo são suas melhores chances de não ser morto pelo monstro invencível — proposta que, por algumas horas, é executada de forma brilhante.

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No espaço, ninguém pode reclamar da sonoplastia

Alien: Isolation é muito competente ao construir um ambiente de medo e ansiedade nos primeiros estágios de sua trajetória. O enredo se desenvolve de forma propositalmente lenta, conduzindo com maestria os picos de tensão e medo a cada nova porta que se abre.

Em uma campanha em que o silêncio é vital para o gameplay, a composição sonora ganha muito mais destaque. Por sorte, Isolation conta com um dos melhores designs de som já executados em um video game.

Além de efeitos sonoros precisos, a tensão musical funciona de forma dinâmica, reproduzindo de forma orgânica alguns trechos remasterizados da trilha do filme original — algo que acontece de acordo com a sua proximidade em relação ao alien. Isso contribui dramaticamente para a criação da atmosfera de aflição que a história pede.

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Não estava no roteiro

O xenomorfo é a coisa mais interessante e ao mesmo tempo a mais frustrante em Alien: Isolation. Interessante porque, além de vermos esteticamente a melhor versão do alienígena já reconstituída nos games, a performance da criatura é incrivelmente dinâmica e imprevisível.

A parte frustrante é que ela é imprevisível demais. Goste ou não, a inteligência artificial dos inimigos precisam oferecer o mínimo de padrão de comportamento em games baseados em furtividade. Se a conduta do NPC é puramente aleatória, todo o fator estratégia vai por água abaixo.

Após algumas horas, você passa a ser importunado incansavelmente pelo bicho. Missão após missão, ele simplesmente não vai embora! O que devia ser o grande trunfo do game acaba se tornando com o tempo seu componente mais irritante, pois a presença do alien deixa de ser usada apenas em momentos-chave e passa a ser um elemento constante.

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Com isso, temos uma significativa quebra de intensidade na experiência e uma desconstrução daquela imersão incrível do início. Há algumas dezenas de sobreviventes espalhados na metrópole sideral e o monstro parece não desgrudar da sua cola por algum motivo pessoal, fazendo rondas em looping, como se tivesse perdido sua carteira na área onde você está e não se lembrasse de onde a colocou.

Arquitetura mal planejada

Para piorar, Isolation sofre com alguns problemas de level design. Se por um lado a Sevastopol é apresentada de forma detalhada e instigante, como uma Rapture espacial, algumas idas e vindas pedidas pelas missões não fazem sentido.

Os checkpoints manuais, por exemplo, não parecem seguir regra alguma quanto à distância que mantêm entre si. Alguns estão muito próximos, outros demoram dezenas de minutos para serem alcançados. E não se trata de progressão de dificuldade, tudo é muito aleatório, punindo o jogador um sem motivo aparente.

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Alien: Isolation faz com que você vá de ponta a ponta da estação para fazer algumas tarefas, mas não traz a sensação de recompensa com isso. Nem em evolução para a personagem e nem em termos de narrativa.

Horas de filler

Após certa altura na campanha, há uma trégua na perseguição do alienígena, deixando você finalmente respirar um pouco, mas também dando lugar a um tipo de jogo que é totalmente diferente daquele que você viu nas primeiras 5 ou 6 horas.

Daí pra frente, são dezenas de horas indo e vindo no mapa com o pretexto de ativar terminais e realizar tarefas supostamente decisivas. É uma eterna promessa de uma conclusão que nunca chega, de resoluções que nunca resolvem.

São eventos que, apesar de contribuírem para a história, dissolvem toda a boa paranoia que fez o game funcionar,  em primeiro lugar. Pode parecer ridículo falar isso sobre um título single player, mas Isolation tem uma campanha que peca por ter sido esticada demais.

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E em meio a tantos lançamentos que recebem modos multiplayer desnecessários, este é um jogo que teria um enorme potencial para um multiplayer. Imagine várias pessoas, indefesas, presas em um mapa com o xenomorfo, tentando vencer ao ser o último a morrer. Creative Assembly, nós pedimos: faça os DLCs valerem a pena.

Sessão Nostalgia

Um dos poucos momentos interessantes após essa segunda metade da história cheia de eventos filler é a “ida” ao planeta LV-426, onde acontece a “concepção” das criaturas dos dois primeiros filmes e do prequel “Prometheus”. Definitivamente, um dos estágios mais nostálgicos para os fãs e um dos pontos altos do game.

Aliás, falando em saudosismo, aqueles que fizeram a pré-compra do jogo tiveram acesso ao DLC Tripulação Descartável. Nesse modo extra, você volta à nave Nostromo e pode lidar com o alien controlando três personagens de “O Oitavo Passageiro”, incluindo a própria Ellen Ripley.

O modo é de curta duração e é basicamente uma versão old school do modo Sobrevivente, mas foi uma bela cortesia da desenvolvedora trazer para o game não apenas os rostos dos atores que trabalharam no filme, mas também reunir todos eles depois de tantos anos para dublar suas próprias vozes.

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Por isso, fica nossa recomendação: se você tiver domínio da língua inglesa, mude o idioma de sua plataforma e jogue o game com a dublagem original. A versão brasileira, além de ter uma dublagem fraquíssima, apresenta problemas sérios de sincronia labial e de volume de som. Um erro técnico desastrado e indesculpável tornou a voz de Amanda Ripley quase inaudível durante todo o gameplay.

No fim das contas...

Alien: Isolation é um respeitável capítulo da mitologia dos xenomorfos. Um título que consegue brincar com as emoções do jogador por várias horas através de uma competente condução inicial da história e de uma coordenação de efeitos sonoros absolutamente fantástica. Possivelmente, uma das melhores adaptações já feitas de um filme de cinema para um video game e sem dúvida a melhor homenagem que a série Alien já ganhou em um jogo eletrônico.

O game sofre com algumas falhas técnicas, mas elas seriam perdoáveis se a campanha, que começa tão promissora, não se tornasse uma enrolação interminável e se depois de um tempo seu antagonista-chave não passasse a ser usado de forma banal.

Alien: Isolation é a meia jarra de um delicioso suco que teve meio litro de água adicionado para "render mais", estragando aquilo que já era quase perfeito. São excessos que acabam desconstruindo a atmosfera imersiva tão bem desenvolvida nas primeiras horas e que impedem que este seja o jogo definitivo da franquia Alien.

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Fontes

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