Arkham mostra novamente como uma história de super-heróis deve ser contada

Por Felipe Karas

27/06/2015 - 12:397 min de leitura

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Batman: Arkham Asylum chegou em 2009 de forma sutil, tateante, sem fazer muito alarde. Afinal, há seis anos, o status dos super-heróis em jogos de video game não era dos melhores. Depois de uma série de derrapadas (algumas verdadeiramente homéricas), o público andava bem vacinado contra qualquer coisa que aparecesse com cuecas por cima das calças — normalmente apenas mais uma peça publicitária feita às pressas e com baixo orçamento unicamente para extrair tostões extras de qualquer coisa que estivesse nos cinemas.

A surpresa foi grande, portanto. Arkham Asylum apareceu com belíssimos gráficos, mas também com uma história madura, corajosamente desligada do apoio fácil de “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, que à época ainda ocupava nove em cada dez discussões geeks. O mitológico sanatório ganhou nova vida, sendo magistralmente capaz de reunir um enorme elenco de vilões do Homem-Morcego e de costurar tudo — habilmente evitando a construção de um pastiche.

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Paralelamente, Arkham também estabeleceu as bases para quaisquer beat ‘em ups focado em ação que viesse depois. O que restava? Expandir, é claro. Em Arkham City, o imenso manicômio se espalhou como um câncer, ocupando toda uma porção isolada do centro histórico de Gotham City. Mais inimigos, uma área enormemente aumentada, novos ataques, vilões consagrados jogados para dentro de uma panela de pressão social.

Daí se vai apenas a um prequel, certo? Não mesmo. Sem desmerecer (mas também sem tomar partido) do controverso Arkham Origins, Batman: Arkham Knight prova que, sim, é possível seguir até o final sem perder o controle — e, acima de tudo, sem simplesmente multiplicar tudo o que veio antes e considerar “trabalho feito”. A zona de conforto nunca fez o estilo da Rocksteady, afinal.

O desfecho apoteótico

Batman: Arkham City representou o último esforço desesperado das autoridades por controlar a criminalidade na cidade — reduto por excelência de maníacos descontrolados, poderosos e geniais em igual medida. Em Arkham Knight, entretanto, após uma breve calmaria, uma nova investida capitaneada pelo Espantalho e pelo misterioso vilão que empresta o nome ao jogo leva à completa rendição da administração pública e do efetivo policial.

Dessa forma, resta apenas uma única esperança, e o velho guardião é novamente convocado para colocar ordem no enorme cortiço sobrenatural em que Gotham se viu transformada. Entretanto, o que poderia ser apenas um território de caça expandido ainda traz consigo uma profundidade subjetiva praticamente inédita na série.

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Assim como sua amada Gotham City, o Batman de Arkham Knight está à beira do abismo — tanto físico quanto mental (ALERTA SPOILER). Por um lado, a morte do Coringa ao final de Arkham City lhe cobrou um preço terrivelmente alto: o herói pode acabar transformado de forma definitiva em um substituto da sua nêmesis particular. Por outro, o Cavaleiro das Trevas ainda terá suas fortalezas tecnológicas invadidas, trazendo para a luta as pessoas que lhe são mais caras.

E, sim, Arkham Knight consegue amarrar tudo isso magistralmente. No mesmo ritmo em que Gotham City é destroçada, também a mente do herói chega mais e mais perto de um colapso e da insanidade em estado puro — o que sempre é contrabalançado por um intenso senso de dever. “Você me ensinou a fazer o que é certo”, diz um desamparado Bruce Wayne ao seu “pai adotivo”, o mordomo Alfred, em um momento particularmente dramático.

A vingança vem a cavalo (ou sobre rodas)

A inclusão do Batmóvel como veículo controlável e plenamente funcional é obviamente uma das principais cartadas de Arkham Knight. Longe de ser apenas um taxi blindado para levá-lo rapidamente de um ponto a outro de Gotham, o poderoso carro do herói se torna o verdadeiro protagonista em diversos momentos. Mesmo que alguém ainda possa se perguntar sobre se faz ou não sentido ter tanques/drones circulando pelas ruas da cidade, é fato que os vários embates sobre rodas são tão divertidos quanto bem encaixados na trama.

A fórmula encontrada pela Rocksteady envolve dois “modos” de operação do Batmóvel. Em um deles, você tem um bólido praticamente indestrutível que destroça carros inimigos e concreto armado de forma indistinta — servindo ainda como uma catapulta bastante oportuna para arremessar o Homem-Morcego alto e longe nos céus de Gotham. Além disso, tal e qual um cavalo de pistoleiro em filme de bang bang, você ainda pode chamar o Batmóvel a qualquer momento pressionando o bumper esquerdo do controle.

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Quando se trata de encarar o exército de blindados autômatos do Arkham Knight, entretanto, um esquema de jogabilidade novo — e bastante extravagante — entra em cena. Ao segurar o gatilho esquerdo do controle, o blindado se transforma em uma espécie de “arma sentinela” (sentry gun) de base móvel. Embora perca velocidade, o Batmóvel se torna muito mais controlável em ambientes restritos.

E há também todo tipo de melhoria para veículo. Em uma árvore de habilidades semelhante à do próprio herói, o seu carro pode ganhar maior proteção, tiros mais eficientes, maior duração de nitro etc. — além dos upgrades desenvolvidos em tempo recorde pelo genial Lucius Fox durante a história.

O novo papel do Charada

Nos primeiros títulos da série, o papel do Charada normalmente não ia muito além de um misto entre “pedra no sapato” e expediente utilizado para fazer durar um pouco mais a aventura. Não que não fosse divertido obter os troféus do vilão, mas, cá entre nós, era difícil não ter a impressão de que um personagem tão icônico poderia ganhar uma participação mais de acordo com seu histórico (e com sua megalomania).

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E é isso que ocorre em Arkham Knight. Embora ainda existam troféus espalhados pela cidade — alguns desafiadores, outros nem tanto —, o Charada ocupa aqui uma parte central da trama. Além de ter desafios mais complexos, os enigmas ainda assumem a forma de circuitos mortais (perfeitos para aprimorar o seu controle sobre o Batmóvel) e de oportunidades para testar a nova mecânica para dois personagens simultâneos.

Talvez valha considerar, entretanto, um pequeno revés aqui: a “matraca” do Charada. Embora egos inflados sejam parte fundamental dos vilões clássicos dos quadrinhos, a insistência acaba tornando algumas aparições do personagem um tanto caricatas demais — às vezes em desacordo com o clima geral do jogo, mesmo que apenas como alívio cômico. Entretanto, nada que diminua a diversão dos desafios típicos do vilão, agora muito mais presente.

Missões secundárias

Batman: Arkham Knight mantém e expande a estrutura de missões secundárias desenvolvida em Arkham City. Novamente, é possível deixar em “stand-by” a epopeia principal do jogo para lançar o herói em aventuras mais restritas, típicas de seus primeiros anos nos quadrinhos.

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Há aqui um assassino que deixa cadáveres acompanhados da ópera “Ofélia”; há um sujeito misteriosos que abduziu o Corpo de Bombeiros de Gotham City ; há o Duas-Caras e o Pinguim, ambos aproveitando a cortina de fumaça levantada pelo Espantalho e pelo Arkham Knight para saquear e fazer fortuna.

E o que é igualmente digno de nota: parte dessas aventuras paralelas acaba cruzando, em algum momento, com a história principal — em uma sutileza que distancia Batman: Arkham Knight de outros títulos de mundo aberto.

Confrontos com o Batman 2.0

Em determinado momento, um dos algozes de Arkham Knight dispara diante de uma performance do Homem-Morcego: “Excelente. Mas isso é mais pelo novo traje do que pelo herói que está dentro.” De fato. Entretanto, convenhamos, em termos de habilidade, essa sempre foi a ideia do Batman: um ser humano “normal” dotado de uma série de facilitadores... De “golpes baixos” mesmo.

E esses golpes baixos estão mais avançados do que nunca. Batman agora bate “mais rápido”, “mais forte” e “de forma mais assustadora”, conforme diz Alfred. Na hora dos combates, um dos maiores diferenciais desse Batman 2.0 são os combos “Fear Multi-Takedown”. Trata-se de uma forma rápida de apagar vários alvos em sequência, essencial para ocasiões com reféns — é só disparar o ataque e selecionar os alvos adicionais, em câmera-lenta.

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Mas a velocidade adicional garantida pelo novo traje também traz outro adicional muito bem-vindo: os contra-ataques direcionados. Assim como nos títulos anteriores, o botão de contra-ataque é, em grande medida, o responsável por dar à pancadaria da série sua fluidez típica. Entretanto, caso o seu timing seja bom, a nova jogabilidade ainda vai lhe conceder um bônus de dano caso o contragolpe seja disparado no mesmo momento do ataque do inimigo.

Stealth antiapelação

É claro que não faria sentido armar pesadamente um novo Batman caso não houvesse inimigos à altura. De fato, em Arkham Knight há inimigos em maior variedade e também mais inteligentes. Basicamente, esqueça de explorar exaustivamente apelações como os chamados “pontos de vantagem”.

Embora os inimigos já colocassem bombas em advantage points em Arkham City — a fim de se prevenir contra uma das maiores apelações de Batman: Arkham Asylum —, aqui eles passam a jogá-las também em dutos de ventilação sempre que esse recurso é utilizado extensivamente. A propósito, também não há mais a possibilidade de se esconder sob uma grade logo abaixo de um inimigo... Já que ele provavelmente vai olhar para baixo em algum momento.

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E existe também uma grande diferença entre encarar valentões nas ruas da cidade e bater de frente com os exércitos altamente treinados do Arkham Knight. Além de serem mais rápidas e de lutar melhor, as tropas especializadas ainda dispõem de recursos como metralhadoras fixas, instaladas pelas próprias milícias em tempo real.

Recursos forenses

Quando apareceu pela primeira vez nos quadrinhos em 1939, Batman não era exatamente a força paramilitar encontrada em filmes e jogos recentes. Ele era mais um superdetetive — uma faceta que foi bem retratada em Arkham Knight.

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Além do já tradicional “Detective Mode”, o herói agora consegue recriar eventos inteiros em ambiente virtual, a fim de descobrir detalhes ou o desfecho de um acidente ou de um crime. Um novo scanner também permite buscar indícios em cadáveres, com varreduras desde a pele da vítima até seus músculos e ossos. Embora normalmente não tragam grandes desafios, esses novos métodos detetivescos certamente adensam a história.

Bat-Parafernálias

Arkham Knight inclui ainda mais parafernálias ao já abarrotado cinto de utilidades do Homem-Morcego. O novo Disruptor, por exemplo, além de inutilizar armas de fogo à distância (o que já era possível em Arkham City), serve agora também para rastrear veículos.

Mas há também melhorias para os gadgets pré-existentes. Os hacks, por exemplo, não se limitam mais apenas a abrir ou fechar coisas. Considerando-se que uma cidade tomada por drones provavelmente seria um “paraíso” hacker, você agora poderá assumir o controle de vários autômatos, virando-os contra os inimigos. E isso vale desde os pequenos aparatos voadores até os enormes tanques controlados pelas tropas do Arkham Knight.

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Por fim, há também um upgrade particularmente útil no arpão. Quem jogou Arkham City deve se lembrar de que havia uma melhoria que tornava o gadget em uma espécie de estilingue — de forma que, ao chegar ao seu limite, digamos, no topo de um edifício, você poderia se lançar ao ar. Isso era algo incrivelmente útil em City, de maneira que agora o recurso já vem “de fábrica” — embora ainda seja possível expandir a intensidade do disparo.

Dublagem PT-BR

No geral, a dublagem para o português de Batman: Arkham Knight está bem decente. Embora seja difícil se desligar das vozes já clássicas de Mark Hamill e de Kevin Conroy, é perfeitamente possível encarar o game em português sem prejuízos para a trama. Entretanto, há uma exceção um tanto infeliz: a dublagem do próprio Homem-Morcego parece nem sempre pegar o feeling da coisa.

Um belo fechamento para uma belíssima franquia

Caso se leve em consideração as intenções expressas da Rocksteady, Batman: Arkham Knight deve ser mesmo o último dos Arkhams. Mesmo que alguma desenvolvedora menor resolva reaproveitar a engine e a enorme Gotham City virtual desenvolvida nos últimos anos, o estúdio anunciou Arkham Knight logo de cara como o título que fecharia o arco de histórias da série. E isso sem dúvida soa muito natural.

Batman: Arkham Knight não apenas é um dos melhores jogos já lançados na história do entretenimento eletrônico como ainda encerra à perfeição o que foi apresentado em seus dois precursores —três, caso se considere o prequel Origins. Desde que Arkham Asylum foi lançado, a Rocksteady aplacou por duas vezes aquele receio natural de que seria impossível repetir a dose. Não apenas foi possível, mas ainda com avanços e expansões notáveis, bem dosadas.

Dessa forma, com Arkham Knight a dupla Rocksteady e Warner Bros. não apenas mostra como fazer um excelente jogo de ação para a oitava geração de consoles como também ensina como uma franquia de qualidade deve ser encerrada: com evolução constante, sem medo de se reinventar, e também com segurança para fechar a porta quando chega o momento.

Ao olhar para o todo, a apoteose mostrada em Arkham Knight parece mesmo o desfecho necessário; o perfeito caos e a decadência de uma das maiores mentes criminosas da história dos quadrinhos materializada em belíssimos gráficos, em tramas bem amarradas, em mecânicas de combate que beiram a perfeição, em um mundo aberto que ainda se parece com um enorme organismo vivo. Essa, senhoras e senhores, é a forma como uma história de super-heróis deve ser contada.

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Fontes

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