Boa noite e boa sorte

Por Raquel Pinzon

03/02/2015 - 16:087 min de leitura

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Imagem de Boa noite e boa sorte no site Baixaki Jogos

Se uma epidemia desencadeasse um apocalipse zumbi no mundo, que tipo de habilidades naturais você gostaria de possuir? Os mais ágeis atléticos e capazes de saltar obstáculos provavelmente seriam os que teriam mais chance de sobreviver em um ambiente tão hostil.

É seguindo essa premissa que Dying Light estabelece sua história. O jogo é uma nova IP do estúdio polonês Techland, responsável pelos dois primeiros jogos da franquia Dead Island — hoje, propriedade da Deep Silver.

Dead Island sofreu muito criticismo por conta de seus glitches, falta de polimento e por não entregar a mesma narrativa emocionante vendida em seu popular primeiro trailer. A Techland se justificou em uma entrevista à Polygon dizendo que seu apocalipse zumbi tropical não saiu exatamente como eles queriam — parte disso, devido à pressão e aos prazos estabelecidos pela publisher.

Agora, em 2015, uma oportunidade de corrigir erros do passado surge. Será que Dying Light é apenas Dead Island com parkour ou a desenvolvedora trouxe um material mais consistente desta vez? Descubra a seguir em nossa análise do jogo.

Em quarentena

A cidade Harran, na Turquia, sofreu uma epidemia zumbi há dois meses e foi colocada em quarentena. Entre aqueles que não morreram, temos duas facções: os sobreviventes liderados pelo professor de parkour Harris Brecken e os carniceiros sob o comando do chefe militar conhecido como Rais.

Os primeiros vivem em uma comunidade alojada em um prédio e possuem entre eles habilidosos corredores que saltam pela área urbana para pegar suprimentos e resolver tarefa para o grupo. Os outros são assassinos armados que respondem ao comando de um ex-político da região, agora um senhor da guerra que extorque aldeias de sobreviventes e impõe sua soberania através da violência.

Você é Kyle Crane, um agente disfarçado que chega à cidade para investigar Rais e impedir que ele publique a fórmula de uma falsa cura extremamente tóxica que poderia matar ainda mais gente. Por acidente, Crane acaba se envolvendo com a comunidade de Brecken e aprende com ela como se locomover pelas ruínas de Harran sem morrer.

Um início arrastado

Semelhante a muitos jogos com foco na evolução do personagem, Dying Light é um jogo maçante durante suas primeiras horas. Enquanto as habilidades de combate e movimentação de Crane ainda estão atrofiadas, a jogabilidade parece desengonçada e imprecisa. A estamina é mínima, a locomoção é lenta, as armas são ineficazes. Mas acredite: o importante que você não desista do jogo nessa altura.

O progresso de destrezas é gradual, mas acaba fazendo toda a diferença. É só ter acesso a sua primeira machadinha com dano elétrico ou aprender movimentos como saltar por cima de um zumbi para que a dinâmica sofra uma mudança dramaticamente positiva.

A noite dos mortos-vivos

O ambiente noturno, como o próprio nome de Dying Light sugere, é algo de extrema importância no jogo. Durante o dia, andar pela cidade cheia de zumbis é muito perigoso, mas é à noite que tudo se transforma em um pesadelo. Há certos tipos dessas criaturas que só surgem após o pôr-do-sol e elas são implacavelmente mortais.

Durante os primeiros objetivos, o ciclo de horários é roteirizado e tudo se passa durante o dia, independentemente do quanto você demore. Mas assim que você conclui a primeira missão noturna, seu relógio começa a girar automaticamente, criando variações naturais de dia e noite. Isso faz toda a diferença na campanha, pois melhora muito sua dinâmica, criando um constante senso de urgência e tensão e fazendo com que o jogador administre cautelosamente seu tempo.

Estrutura do jogo e a relevância das missões

Mais do que Dead Island ou Mirror’s Edge, Dying Light é muito parecido com Far Cry 3, por questões estruturais. A comunidade vivendo no gueto, o senhor da guerra psicopata, subir em torres de difícil acesso, liberar bases, ritmo de progresso com a árvore de habilidades e, como não podia deixar de ser, pessoas dizendo que você tem um talento natural para o ofício e que só depende de você a salvação da comunidade.

O que é difícil de entender é por que a maioria das missões delegadas a esse salvador são tão medíocres. Ninguém gosta de ser office-boy no video game e é basicamente isso que Crane faz na maior parte do tempo, ao buscar itens em um lugar perigoso e entregá-los no outro lado da cidade. Consiga um chocolate para a mãe morta do esquizofrênico, ameace verbalmente cidadãos indefesos para barganhar remédios, etc.

Infelizmente, são raros os momentos em que você se sente em missões realmente relevantes como investigar um carregamento em um esconderijo de soldados ou explodir um prédio onde está um ninho de zumbis.

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Zumbis: a fauna e a flora de Harran

Os tipos dos comedores de carne são variados e vão desde pequenas variações dos carecas molengas, passando por brutamontes armados com marretas, até os terríveis caçadores noturnos. É um pouco irritante lidar com zumbis corredores — recém-transformados que perseguem você até o infinito quando você faz mais barulho do que devia — mas faz parte das regras do jogo, portanto: mova-se discretamente.

Em Dying Light, os zumbis não são necessariamente seus inimigos. Eles são parte do ambiente hostil no qual você está inserido. Eles são como lava, abismos, lâminas em pêndulos ou armadilhas espalhados pelo cenário. Permanecer no chão ou parado em um lugar desprotegido é problema na certa. Tentar matar todos que você encontrar é inútil. É preciso apenas correr para seus objetivos, evitando o máximo deles e matando apenas o necessário.

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 Arsenal improvisado

As armas de Dying Light são primordialmente de ataque corpo-a-corpo. Fazendo um leve upgrade no sistema de Dead Island, o game permite que você crie “frankensteins” a partir de facas, tacos, martelos, machadinhas e basicamente qualquer coisa que você possa usar para bater na cabeça de um zumbi.

Para que haja rotatividade, além do dano que as novas armas que vão aparecendo produzem, elas também se desgastam, podendo ser reparadas por apenas um número limitado de vezes. As armas de fogo são raras e mais rara ainda é a munição.

Balas são artigos de luxo e mesmo que houvesse mais delas por aí, você provavelmente pensaria duas vezes em usá-las. O barulho de tiros atrai mais zumbis, criando hordas infinitas, logo o combate corpo a corpo é o padrão no gameplay — o que é ótimo, pois assim evita-se que o jogo se torne outro FPS de zumbi.

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A cara de Harran

Dying Light tem um visual agradável. São poucos os modelos de personagens com feições expressivas — os principais, apenas —, mas os cenários possuem um detalhamento razoável pelo tamanho do mapa. O jogo ganha ponto positivo ao sair do lugar comum e situar sua história em uma área urbana no Oriente Médio, em vez das tradicionais metrópoles americanas, que servem de pano de fundo para a maioria das histórias de outbreak.

Acima de tudo, é um jogo brutal. Sangue, cadáveres e vísceras fazem parte da decoração. A luta contra os zumbis é bastante gráfica, cheia de crânios explodindo e desmembramentos. Se você tem problemas com violência, esse é um jogo que pode lhe causar alguma agonia.

Glitches, para variar

Infelizmente, como é de se esperar em games de mundo aberto, este aqui vem com alguns glitches consideráveis de brinde. Quando não são texturas e iluminação oscilando, problemas de colisão fazem modelos ficarem com aparência “imaterial”.

Isso sem mencionar a frustração presente em 80% das vezes em que você quer ver dados sobre um item e ao colocar o cursor sobre ele a possibilidade de interação some até que você mova a câmera várias vezes.

Os mais exigentes também vão ficar decepcionados ao perceberem que roupas no varal são intangíveis, poças d’água não se movimentam e não refletem, vidros não se quebram, e por aí vai. É tudo muito sutil e é preciso analisar o cenário com atenção para perceber, mas a interação deficiente está lá.

Multiplayer cooperativo e competitivo

O modelo de multiplayer cooperativo de Dying Light pode gerar alguns bons momentos, mas peca por quebrar a atmosfera que a história oferece. O co-op não está em uma seção à parte, mas funciona dentro da campanha. Apesar de ser divertido saltar por aí em galera, o conceito de ter mais três Cranes dividindo a tela com você é incômodo.

Em certo momento, você está preocupado em correr para pegar um carregamento de vacina e salvar algumas pessoas, preocupado, tenso, envolvido na situação que o enredo está propondo e então... Depois do prólogo, três versões de você surgem —do nada — e tiram sua concentração sobre seu próprio personagem.

É o mesmo problema presente nos últimos jogos da franquia Halo, Assassin’s Creed Unity e tantos outros: um modelo de multiplayer mal elaborado que, mesmo trazendo entretenimento casual, atrapalha a narrativa proposta. Então a dica que fica é: se você se importar com o fator imersão, somente tente o co-op após concluir a campanha.

A menos que você seja um zumbi. O modo jogador contra jogador de Dying Light é assimétrico e coloca você na pele de um zumbi caçador da noite e, acredite ou não, funciona muito bem. Em uma mistura de Demon’s Souls com Evolve, você invade a campanha de outros jogadores travando uma luta na escuridão.

O monstro obviamente é mais forte, mas fica totalmente vulnerável com um pouco de luz ultravioleta. As invasões, tanto do cooperativo quanto do competitivo, felizmente são opcionais. Cada jogador define a qualquer momento se está disposto ou não a dividir sua jogatina com outros.

Oculus Rift + parkour = náuseas

Dying Light é provavelmente o primeiro jogo a ganhar suporte oficial para o Oculus Rift. Fizemos o teste aqui no BJ com três ou quatro redatores e a reação foi parecida entre todos. No início, é comum sentir muita adrenalina e a convincente sensação de que você está mesmo saltando. Cada vez que a câmera chacoalha após um salto, sua cabeça segue o movimento.

Porém, após cerca de quatro ou cinco minutos, todas as "cobaias" do experimento tiveram enjoos. Experimentando sentado em uma cadeira de escritório ou em pé, foi inevitável sentir o estômago embrulhando com a movimentação extrema em primeira pessoa.

O hardware do Oculus também não ajuda muito a aperfeiçoar a experiência. Há limitações no ajuste da resolução e com as duas lentes disponíveis no Kit de Desenvolvimento 2 não conseguimos alcançar um visual que corrigisse o serrilhado ou que entregasse uma maior noção de profundidade. No fim das contas, a tentativa do estúdio foi válida, mas ainda não foi desta vez que o headset funcionou de forma eficaz em um blockbuster.

Easter-eggs

Uma das coisas mais legais sobre Dying Light só ficou evidente dias após seu lançamento. Segredos e gracinhas escondidas ao longo do cenário fazem referência a filmes, games e outras obras da cultura do entretenimento.

Publicamos a lista completa aqui, caso você queira conferir na íntegra, mas vale mencionar que tem: área inspirada em Mario Bros., Plants VS. Zombies e Destiny; tem arma homenageando a Lenda do Rei Artur; tem item fazendo referência a The Last of Us, The Legend of Zelda e Call of Juarez... Enfim, a quantidade de segredos espalhados é satisfatória e funciona como agrado para jogadores que gostam de ser surpreendidos.

Dublagem nacional

Muitos reclamam sempre que criticamos uma dublagem desleixada de um jogo, mas essa crítica é necessária, pois é assim que cobra a elevação da qualidade de algo. A distribuidora local do jogo é que define o quanto está disposta a pagar pela qualidade da regionalização e fica também a cargo dela a escolha do estúdio.

A WB Games do Brasil, que distribui Dying Light por aqui, fez excelentes escolhas na contratação das dublagens brasileiras de Shadow of Mordor, LEGO The Hobbit, Batman: Arkham Origins e tantos outros. Infelizmente, aqui foi diferente.

As atuações no Dying Light tupiniquim ficaram forçadas, carregadas de sotaque paulista e em alguns momentos até cômicas. Com poucas exceções, como o ator responsável pela voz do personagem Rahim, o elenco destoa feio no tom e o dublador do protagonista Crane está entre os piores.

Em determinado momento do jogo, por exemplo, uma cena ambientada em um vagão de trem, Crane chega empolgado por ter realizado uma conquista e é então confrontado com uma situação extremamente dramática. Os gritos do ator brasileiro na tentativa de passar emoção não apenas não comovem como geram constrangimento. Você pode conferir trechos dessa parte no vídeo abaixo — sem spoilers.

Vale a pena?

Dying Light é uma mistura de conceitos já vistos antes com uma pitada de novidade. A lista de referências é longa, mas o game acaba adquirindo personalidade própria com seus ciclos de luz e trevas e mobilidade fluida — muito bem-vinda em um cenário como esse.

A história não surpreende e parece um pouco mal estruturada, mas os personagens têm lá seu carisma e conseguem fazer com o tempo com que você se importe com eles. É uma pena que a dublagem brasileira tenha ofuscado isso, com atuações abaixo da média.

Dying Light requer um pouco de insistência até que se torne realmente interessante, e se acostumar com seus controles estranhos e pouco intuitivos é parte do processo, mas o esforço vale a pena. Esse equilibro de diversão ao vagar livremente por telhados com os picos de tensão durante a noite tornam a jornada pelas ruas de Harran uma experiência que sempre traz consigo um pouco de emoção — não há espaço para monotonia.

A Techland não reinventou a roda, mas definitivamente provou que evoluiu. Mesmo com alguns deslizes, Dying Light é um jogo sólido e que tem potencial para agradar tanto fãs de games de zumbi quanto qualquer um que goste de uma boa aventura em mundo aberto. Se suas expectativas não forem muito extravagantes, ele deve superá-las facilmente.

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Fontes

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