Quando a físico-química inglesa Rosalind Franklin fotografou, pela primeira vez a estrutura do DNA em maio de 1952, ela se tornou a primeira pessoa no mundo a enxergar, com base em evidências físicas, a arquitetura íntima da molécula fundamental que carrega o código genético de todos os seres vivos, lançando assim as bases da biologia molecular.
Embora a descoberta tenha desencadeado uma revolução sem precedentes nas ciências biológicas e na tecnologia médica, com avanços pioneiros na identificação e análise do código genético, o nome de Franklin permaneceu fora da lista dos cientistas premiados com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1962 "por suas descobertas relativas à estrutura molecular dos ácidos nucleicos e sua importância para a transferência de informação em material vivo".
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A justificativa oficial para a omissão foi sua morte precoce em 1958, aos 37 anos, que impossibilitou a premiação pelas regras do Nobel. No entanto, a verdade é que a forma desonesta com que dois dos laureados, James D. Watson e Francis H.C. Crick usaram sua icônica Fotografia 51, obtida sem o conhecimento dela, revela como sua contribuição foi marginalizada à época, e continuou sendo obscurecida por quase 50 anos depois.
Infância e escolha de ciências como disciplina
Parte de uma proeminente família anglo-judaica, Rosalind Elsie Franklin nasceu em Londres em 25 de julho de 1920. Intelectualmente precoce, decidiu seguir ciências aos 16 anos, destacando-se por seu talento acadêmico, senso de justiça e habilidade para debates intelectuais. Além de obcecada pela ciência, era uma filha e irmã dedicada, conhecida por seu humor afiado, franqueza e paixão por montanhismo, viagens e culinária.
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Educada em escolas particulares, Franklin ingressou na Newnham College, uma das duas faculdades para mulheres de Cambridge, onde se formou em físico-química com excelência acadêmica. Ela continuou seus estudos científicos mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, recusando-se a deixar a universidade apesar dos bombardeios sobre Londres e da pressão familiar para buscar locais mais seguros.
Embora suas excelentes notas lhe tenham rendido uma bolsa de pesquisa de pós-graduação, Franklin entrou em conflito com seu orientador, professor Ronald Norrish, que rejeitou suas descobertas após ela identificar um erro fundamental no projeto que ele lhe havia atribuído. Mais tarde, Norrish admitiu a um biógrafo da pesquisadora que nunca suportou a ideia de que ela pudesse “elevar o status de seu sexo à igualdade com os homens”.
Carreira científica e a Foto 51
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Após concluir seu doutorado em físico-química em Cambridge em 1945, época em que poucas mulheres atuavam como pesquisadoras, Franklin foi para Paris, onde passou quatro anos no Laboratório Central de Serviços Químicos. Ali dominou a cristalografia de raios X, tornando-se autoridade internacional em carbono aos 30 anos. Em 1950, recebeu uma bolsa da empresa Turner & Newall, para investigar a estrutura do DNA no King’s College London.
Ao mudar da química física para a biológica, Franklin trabalhou oito meses com Raymond Gosling no desenvolvimento de uma microcâmera específica para capturar imagens de DNA. Em maio de 1952, após 100 horas de exposição sob condições meticulosamente controladas, ela produziu a histórica Foto 51, evidência primordial do padrão helicoidal da molécula, posteriormente publicada na Nature simultaneamente ao modelo de Watson e Crick.
Quando o chefe da unidade de biofísica do King’s, professor J.T. Randall, convidou Franklin, ele lhe prometeu autonomia no estudo do DNA, mas sem informar Maurice Wilkins, que esperava supervisioná-la. A falha de comunicação gerou conflitos: enquanto Franklin acreditava liderar o projeto, Wilkins a via como assistente. Essa tensão alimentou um ambiente hostil que culminou com Wilkins compartilhando a Foto 51 com Watson e Crick.
Foto 51: o “santo graal” da biologia molecular
A Foto 51, capturada por Franklin por meio de difração de raios X, revelou a estrutura B do DNA (biológica e mais hidratada). Os losangos claros no padrão em "X" indicavam uma dupla hélice, composta por esqueletos de açúcar-fosfato e pares de bases (adenina-timina e guanina-citosina).
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A imagem forneceu dados cruciais para modelar a molécula e compreender a transmissão genética, embora Franklin não soubesse na época o seu impacto imediato.
No pós-guerra, a biologia ganhou impulso, com diversas equipes competindo para decifrar o DNA. Ao descobrir a hélice alfa nas proteínas, em 1951, Linus Pauling, acelerou a corrida. Muitas dessas equipes usaram a cristalografia de raios X da Dra. Franklin para investigar o DNA, sem perceber que a própria molécula, com pares de bases complementares se encaixando como peças de um zíper.
Em 1953, Franklin transferiu-se para o Birkbeck College, uma instituição mais aberta à igualdade de gênero. Uma semana antes da publicação da inovadora Foto 51 na Nature, o professor Randall enviou-lhe uma carta instruindo-a a parar de trabalhar, e até de pensar, no DNA. Naquela altura, ela já havia voltado seu foco para os vírus vegetais, liderando a análise do vírus do mosaico do tabaco.
Auge da carreira e morte prematura
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Durante a década de 1950, Rosalind Franklin estava no auge de sua carreira como autoridade em difração de raios X, sendo convidada internacionalmente como palestrante, muitas vezes como a única mulher presente.
Apesar de sua reputação e publicações, enfrentou desigualdades: falta de estabilidade, salário reduzido e restrições a cargos de liderança. Ainda assim, liderou pesquisas pioneiras, como a da relação entre proteínas e ácidos nucleicos.
Franklin realizou duas viagens prolongadas aos Estados Unidos, onde visitou laboratórios, trocou informações com colegas e conseguiu financiamentos, que lhe eram negados na Inglaterra, para suas pesquisas com vírus. Diagnosticada com câncer em 1956, manteve-se ativa, arrecadando recursos para modelos virais na Feira Mundial de Bruxelas, que acabaram sendo exibidos logo após sua morte, em 16 de abril de 1958.
A trajetória de Rosalind Franklin levanta questões importantes sobre ética científica, reconhecimento de contribuições e o papel das mulheres na ciência, especialmente em uma época em que enfrentavam barreiras significativas para obter igualdade de reconhecimento. Ela deixou 19 artigos sobre carvões e carbonos, cinco sobre DNA e 21 sobre vírus. Pouco antes de sua morte, ela e sua equipe iniciaram estudos sobre o vírus da poliomielite.
Mesmo sem o reconhecimento merecido, Rosalind Franklin mudou a história da biologia. Apoie projetos que incentivam a participação de mulheres na ciência. Compartilhe esta matéria nas redes sociais e amplifique essas vozes.