Durante os trabalhos de análise do genoma humano, os cientistas descobriram que uma parte considerável do DNA aparentemente não tinha nenhuma função. Diante disso, decidiram nomear essa porção como “DNA lixo”, expressão criada décadas atrás.
Apesar das conclusões iniciais, essa parte significante do ácido desoxirribonucleico (DNA) continuou sendo alvo de investigações e a história passou por uma reviravolta interessante. Estudos recentes podem até fazer com que a curiosa expressão seja revista e descontinuada.
Essas pesquisas também têm demonstrado que o DNA não codificante, outro nome pelo qual tais partes do genoma são chamadas, desempenha um papel essencial na regulação da expressão dos genes, influenciando o envelhecimento e outros processos importantes. O que era considerado inútil agora não é mais.
Quer saber o que fez os cientistas mudarem de ideia a respeito do DNA lixo e conhecer um pouco mais sobre ele? Basta continuar a leitura!
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O que é DNA lixo e qual a sua função?
Antes de mais nada, você sabe o que é DNA? Trata-se de uma molécula localizada no núcleo das células dos seres vivos que fica responsável por armazenar as informações genéticas do organismo, possibilitando que elas sejam transmitidas de uma geração para outra.
Com formato tridimensional de dupla hélice, o ácido desoxirribonucleio é essencial para a vida, guardando as informações em um código composto por quatro bases químicas: adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T). Os mistérios por trás desta complexa estrutura começaram a ser desvendados em 1953.
Na ocasião, os bioquímicos James Watson e Francis Crick publicaram uma pesquisa sobre a estrutura deste ácido, explicando como era constituído o DNA humano. O trabalho revolucionou a compreensão dos seres vivos, rendendo à dupla o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1962.
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As pesquisas seguintes, inspiradas nos avanços encontrados por Watson e Crick, apontaram a existência de pelo menos 3 bilhões de pares de letras no genoma humano. Em teoria, todas essas combinações deveriam conter instruções para codificar proteínas na célula, mas, na prática, não era bem assim.
Como nem todas as sequências genéticas dentro da molécula tinham a capacidade de codificar diretamente as proteínas, os pesquisadores acreditavam que essa parte não possuía nenhuma função. Devido à suposta inutilidade, decidiram batizá-la de DNA lixo.
Ele representa toda a parcela do DNA que não codifica proteínas, mas desempenha outras funções importantes como descoberto mais tarde. As sequências incluídas nesses trechos estão envolvidas na ligação das proteínas, na regulação e em outros processos, como se sabe atualmente, afetando a atividade genética.
Quanto do DNA de um ser humano é considerado “lixo”?
De modo geral, estima-se que 98% do DNA não tenha nenhuma função, pelo menos com base em estudos antigos. Essa parte também ficou conhecida como genoma obscuro.
Esse material era tratado como resto de genes partidos, que perderam relevância há algum tempo, funcionando como um depósito de resíduos da evolução da espécie humana. Em contrapartida, a parte aproveitável do DNA é bastante reduzida.
Ou seja, apenas 2% dos 3 bilhões de letras do genoma humano são dedicados à codificação de proteínas. Isso representa aproximadamente 20 mil genes codificadores identificados em meio às longas linhas de moléculas que formam as sequências do DNA humano.
Muitos geneticistas ficaram surpresos com o número reduzido, devido à proximidade com a quantidade registrada em outras criaturas com organismos muito mais simples. É praticamente a mesma quantia de genes no DNA das minhocas (20 mil) e uma diferença pequena para a mosca-da-fruta (13 mil).
Calcula-se que cada célula humana tenha 2 m de DNA, dos quais 1,96 m seriam considerados sem utilidade nas pesquisas antigas. Caso fosse possível juntar tudo isso em apenas um fio, esticando o material genético, chegaríamos a 20 milhões de km de DNA por pessoa.
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Por que o DNA não codificante foi considerado inútil por tanto tempo?
A ausência de tecnologia capaz de decodificar a parte obscura do DNA é um dos motivos pelos quais o material foi considerado sem função durante décadas. Enquanto o sequenciamento do genoma era realizado, os pesquisadores encontraram várias sequências de DNA repetidas nessas regiões.
Chamadas transposons, as sequências representam quase a metade do genoma de todos os mamíferos. Devido à dificuldade de analisar tamanha quantidade, os geneticistas decidiram priorizar as sequências exclusivas das áreas codificadoras de proteínas, denominadas exomas.
Mas o desenvolvimento de tecnologias de sequenciamento de DNA inovadoras permitiu voltar ao DNA lixo para analisá-lo detalhadamente. Em uma pesquisa com camundongos, um fragmento específico de transposons foi excluído, resultando na morte de metade dos filhotes durante a gestação.
Dali em diante, os cientistas começaram a trabalhar com a possibilidade de que algumas sequências de DNA obscuro são essenciais para a sobrevivência, mudando o entendimento que se tinha sobre essa parte do material genético. E os avanços tecnológicos continuam a trazer descobertas incríveis.
Existe DNA realmente inútil no nosso genoma?
Contrariando as pesquisas pioneiras, trabalhos científicos recentes demonstram que nem todo o DNA lixo é inútil, como se acreditava. Os geneticistas estão descobrindo funções para a maioria desses materiais, como os já citados transposons.
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Também chamados de “genes saltadores” devido à capacidade de mudar de área dentro do genoma, eles podem ter sido essenciais para a evolução, com o movimento levando à perda da cauda na família dos primatas. Assim, os humanos teriam desenvolvido o andar ereto.
Já os telômeros são responsáveis por manter a integridade do DNA, evitando que os cromossomos se unam. Além disso, atuam como uma espécie de relógio biológico, controlando o tempo de vida das células — cada vez que elas se dividem, parte deste DNA não codificante é perdida.
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Depois de várias divisões, elas alcançam o tamanho mínimo, entendendo a mudança como um alerta para iniciar o processo de morte celular. Esse tipo de ação é importante principalmente para as células mais antigas, com maior propensão a gerar tumores devido às mutações acumuladas.
Outra sequência genética anteriormente considerada DNA lixo, o íntron atua como um marcador, indicando à célula onde começa e termina a leitura do RNA gerado. Pesquisas sugerem, ainda, que ele facilitou a criação de novas combinações de sequências, tendo papel essencial na evolução dos genes.
Como o entendimento sobre DNA lixo impacta a medicina e a biotecnologia?
As mudanças na abordagem sobre o DNA não codificante podem trazer impactos significativos para a saúde. Diferentes Estudos de Associação Genômica Ampla (GWAS) sugerem que a maioria das variações genéticas associadas a doenças crônicas está na parte inicialmente considerada irrelevante para a ciência.
Ou seja, alterações no DNA lixo podem influenciar no surgimento de doenças cardíacas, Alzheimer e diabetes, entre outras condições. Também acredita-se que o material deixado de lado nas primeiras pesquisas tenha ligação com certos tipos de câncer, depressão e esquizofrenia.
Dessa forma, os avanços na área promovem melhorias nos tratamentos, com a adoção da tecnologia CRISPR, que permite a criação de terapias personalizadas pela edição genética. O desenvolvimento de novas opções de medicamentos e vacinas, focadas em regiões não codificantes das proteínas, é outro benefício da alteração.
Empresas como CureVac e Haya Therapeutics já trabalham com soluções baseadas no DNA não codificado, trazendo uma nova esperança para pacientes com doenças raras. Também é possível aproveitar os avanços para diagnósticos mais precisos e precoces, se antecipando aos sintomas.
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